Faltando menos de dois meses para o início da Copa do Mundo, tive
a oportunidade de ler, no formato digital, um livro cujo principal objetivo é mostrar
os bastidores da preparação do Mundial de futebol, cujos gastos somados quase
ultrapassam o que foi gasto na organização dos últimos campeonatos mundiais.
A obra é A Copa Como Ela É - A história de dez anos de
preparação para a Copa de 2014,
de Jamil Chade (Companhia das Letras). O lançamento se deu no começo de
abril apenas em e-book, mas em breve, provavelmente após a Copa do Mundo, sairá
a edição impressa e ampliada.
Fato é: a Copa do Mundo de futebol é o maior evento mundial. Isso
não se discute. No entanto, após a leitura do livro, que, por sinal, é bem
rápida, conclui-se de forma irrefutável: o Brasil perdeu uma oportunidade única
de se transformar e de transformar suas cidades.
Chade é correspondente do Estadão na
Europa. Durante dez anos, o jornalista acompanhou de perto as
negociações que culminaram na escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de
2014, bem como todas as polêmicas que se seguiram ao anúncio. Como correspondente
do jornal na Suíça, Chade teve acesso privilegiado aos corredores da Fifa e às
principais figuras que movimentaram o grande balcão de oportunidades que se
tornou o Mundial. No livro, o jornalista expõe as tenebrosas transações entre
CBF e governo, e mostra como duas entidades supostamente sem fins lucrativos
tornaram a Copa de 2014 o evento mais rentável de suas histórias. Seguindo os
rastros do dinheiro, Chade revela como políticos e cartolas se apropriaram de
um torneio que, se não trouxe ao país o “legado” prometido durante a campanha,
serviu para encher (muito) os bolsos de uns poucos na mesma medida que atacou (muito)
os cofres públicos.
Partindo deste princípio, assim começa
a história da Copa do Mundo mais cara da história. A Copa do Mundo das isenções
tributárias e dos lucros de alguns poucos, das contas sem transparência, das
“arenas” faraônicas e que, em boa parte, serão de pouquíssima utilidade tão
logo a Copa termine, em 13 de julho de 2014.
O livro começa no hall de
entrada de um hotel em Zurique. Chade relata que Ricardo Teixeira o teria
chamado para conversar e relatado, em 2007: “essa Copa será feita sem um
centavo do governo”. Hoje, segundo o que o autor apurou, o que se vê é que, de
cada nove dólares gastos em estádios, oito foram emprestados, financiados ou
pagos pelo Poder Público. Ela custará três vezes mais que o plano inicial de
2007. Ela custará o equivalente a duas Copas do Mundo. O Brasil gastou em
estádios o equivalente ao que a África do Sul e a Alemanha gastaram em 2010 e
2006.
Para Chade, não há o que
justifique isso. O autor questiona: “como explicar que uma cidade que tinha o
Morumbi construiu um estádio novo? Como justificar que Brasília tem hoje o
terceiro estádio mais caro do mundo e sem um time de futebol? Como justificar
uma Copa em doze sedes, se a Fifa apenas pediu oito?
Na ótica do autor, “a Fifa usou o
Brasil, e não foi o Brasil que usou a Copa”. E complementa que esse talvez
tenha sido o maior erro dessa Copa. Referindo-se ao “legado” da Copa, tão
defendido pelos organizadores e pelo Governo brasileiro, Chade cita um exemplo
paradigmático: todos falam de Barcelona como uma referência em organização de
um evento esportivo que mudou uma cidade. Mas, a sua obra nos esclarece, e
quase ninguém sabe (inclusive eu) que nos Jogos Olímpicos de 1992, apenas 9% do
orçamento de obras foi usado para as instalações esportivas. O restante foi
para o aeroporto, avenidas, mobilidade urbana etc. Chade faz o contraponto: no
Brasil, quase 40% dos gastos da Copa foram com estádios, nem sempre em locais
adequados.
Trata-se, portanto, de precioso
trabalho de pesquisa jornalística de quem, de antemão, esclarece, de forma
taxativa, não se tratar de um livro contra o
futebol, contra as Copas ou contra essa Copa de 2014. Mas, parafraseando o
próprio autor, com a devida vênia, “uma tentativa de mostrar que precisamos ser
uma espécie de torcedor-cidadão, que claro apoia a seleção, mas não sem saber o
que de fato representou essa Copa”. Enfim, trata-se de um livro que foge da
propaganda oficial da Copa e que conta os bastidores políticos e comerciais do
maior evento hoje do mundo.
Para quem se interessar, boa
leitura!