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domingo, 20 de abril de 2014

A DIVERTIDA AVENTURA DE JOSÉ TRAJANO EM BUSCA DE SUA MÔNICA




Foi em 2009 que conheci a história, bem superficialmente, quando orientei um Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo que produziu um perfil de José Trajano. Aos alunos, ele contara a saga de um jovem repórter que se apaixonou por uma garota bem mais nova num baile de carnaval e, movido por esse amor do tamanho do mundo, daqueles que a gente acha que é único, nunca mais vai acontecer, cometeu até mesmo o desatino de encontrá-la, de surpresa, em um cruzeiro de navio pela Europa. Achei a trama sensacional, interessantíssima, fundamental para revelar a personalidade do perfilado. Sugeri aos orientandos que apurassem um pouco mais, para desnudar outros detalhes da aventura quixotesca. Trajano, no entanto, não abriu o coração além daquilo que já havia oferecido. Talvez ali, ainda que inconscientemente, outros planos narrativos já estivessem sendo gestados.

Pois é exatamente essa divertida história, agora com todas as suas peças e pormenores saborosos, que Trajano conta no livro "Procurando Mônica", recentemente lançado pela Editora Paralela. Foi em Rio das Flores, interior do Rio de Janeiro, cidade onde atualmente vivem aproximadamente oito mil pessoas e onde, quando adolescente, Trajano passava as férias com a família, que o futuro jornalista e ilustre torcedor do América carioca conheceu e se apaixonou por Mônica, seis anos mais nova que ele, entre máscaras e marchinhas carnavalescas que animavam o salão. Se fosse para usar um clichê, talvez ali tivesse nascido, muitos anos antes, uma música do Legião Urbana, com as devidas adaptações - "José e Mônica". Ela era uma menina e tinha 16 anos; ele, já repórter do caderno de Esportes do Jornal do Brasil, 22 anos. O final, porém, não seria tão feliz, e o casal ficaria bem distante de não poder viajar nas férias porque o filhinho estaria em recuperação. A garota, sem dó, esnobava todas as investidas do nobre pretendente, que sofria horrores e já não sabia mais o que fazer para acessar o coração gelado e peludo da amada.

Foi em uma das andanças por Rio das Flores que Trajano descobriu casualmente que a rapariga faria, no início de 1968, um cruzeiro de navio pela Europa, com duração de dois meses. Empresta daqui, socorre dali, consegue folga e horas extras de lá, amigos entram na parada para ajudar - e lá se foi o Trajano no mesmo navio, numa (quase) surpresa. Só o que não mudou mesmo foi a disposição de Mônica, que continuava irredutível, sem abrir a guarda nem dar chance alguma para o jovem repórter. Mais doído ainda, ela resolveu arrumar outro namorado em plena viagem, cavando mais fundo na alma e aumentando a agonia de Trajano, que ficou desolado (apesar de toda a ajuda e das dicas dos amigos dele, todos torcendo freneticamente pelo sucesso da empreitada amorosa).

O caso mal resolvido é permeado por outras deliciosas histórias - no livro, Trajano relembra o clima sombrio de angústia e pessimismo na Espanha e em Portugal, no final das ditaduras de Francisco Franco e de Antônio Salazar, respectivamente. Em Lisboa e Madrid, aliás, não faltaram acaloradas conversas de botequim com jornalistas locais sobre Eusébio, Puskás, Di Stéfano e Real Madrid, o segundo time mais fantástico do mundo, naquela época (o primeiro obviamente era o esquadrão mágico e insuperável do Santos, com Dorval, Mengálvio Coutinho, Pagão, Pelé e Pepe). Em Paris, ele "perambulava pelos bares de jazz do Quartier Latin, imaginando encontrar Miles Davis e Chet Baker. E tomava Pernoud com gelo para atravessar a madrugada. Para orgulho dos brasileiros, cartazes nas ruas anunciavam show da jovem cantora Elis Regina, acompanhada do Bossa Nova Trio". Londres veio em seguida. A atmosfera era privilegiada. "Os Beatles lançavam o álbum duplo Magical Mystery Tour e a música mais executada tinha tudo a ver com minha história: All you need is love".

Na belíssima cidade de Cortina d'Ampezzo, nos Alpes italianos, Trajano meteu-se em tremenda enrascada. Uma lambança, como ele mesmo diria. Solidário, decidiu entrar de vez na dança e na briga provocada por um amigo, que tinha se engraçado com a DJ que se apresentava num baile num clube local. Teve italiano que não gostou da ousadia. Cadeiras, mesas e garrafas voaram para todos os lados. Sopapos foram trocados, Os carabinieri apareceram para acabar com a bagunça. Trajano ficou preso por quase uma semana, foi julgado e solto, em liberdade condicional, com tempo ainda de aproveitar o final da excursão.

Mas os sentimentos já eram de entrega dos pontos, decepção, a sensação de que o jogo poderia ter trocentas prorrogações - e o gol não sairia. A paixão havia arrefecido. Mônica não tinha mesmo sequer sugerido o tradicional "OK, quem sabe, vamos tentar". Nada. Trajano já estava também preocupado com o cenário político no Brasil, o endurecimento do regime de terror, a ditadura escancarada representada pelo Ato Institucional 5, que oficializou a prática da tortura como política de Estado e garantiu a sistematização de uma máquina institucional de assassinatos e desaparecimentos nos porões da repressão.

Depois de desembarcar no Brasil, os dois seguiram suas vidas. Trajano casou duas vezes, teve três filhos. Tornou-se um dos jornalistas esportivos mais conhecidos do país. Está atualmente na ESPN/Brasil. Voltaria a ter notícias da paixão da juventude quando, conspiração do destino, anos depois do cruzeiro, fazia uma matéria para a Editora Três - e o fotógrafo que o acompanhava na pauta, além de ser filho de um colega de Trajano, tinha se casado com... Mônica! O jornalista voltaria ainda a ver a princesa encantada bem rapidamente, de relance, na redação da Tribuna da Imprensa e, de longe, na praia do Leblon. E só. Foram longos 35 anos sem ter notícias dela. "Soube que a Mônica teve três filhos em escadinha com o Luiz e que se separaram sete anos depois do casamento. (...) Quando decidi escrever as memórias, vasculhei sobre Mônica no Google. (...) No perfil do Facebook aberto ao público havia uma foto dela junto a uma plantação de tomates e uma foto menor, onde se esconde atrás de charmosos óculos escuros. Me surpreendeu ver Mônica de cabelos grisalhos, com o rosto parecido com quando pisou com ar desafiador no salão do 17 de Março".

Talvez porque o livro ainda carecesse de um final (feliz?), Trajano resolveu, aos 67 anos, ligar para Mônica. Quase quatro décadas depois, agia embalado ainda pelas lembranças dos carnavais de Rio das Flores, com frio adolescente na espinha e medo de tomar mais um fora. Conseguiu falar com ela. Foi bem recebido. O tempo normal da história termina aqui.

O resultado da prorrogação? O Trajano conta com detalhes no livro.

Um comentário:

  1. "Bora ler mais um livro! Obrigada, Chico, pela dica. E, pelo "teaser" que vc fez acima, ganhou mais uma leitora para o Trajano.

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